quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Os Evangélicos e a Grande Esperança Trump

Os Evangélicos e a Grande Esperança Trump



ROBERT P. JONES
11 de julho de 2016

Como foi que os brancos protestantes evangélicos - autointitulados "eleitores de valores" - se tornaram um bloco de apoio incondicional a Donald J. Trump?

Um encontro recente, cuidadosamente coreografado, entre Trump e líderes evangélicos nos permitiu vislumbrar como muitos estão tentando decifrar essa equação. James C. Dobson, o fundador e antigo diretor de Focus on the Family - uma figura ainda influente nos círculos cristãos conservadores -, afirmou ter recebido informações de segunda mão dizendo que Trump passara "a aceitar um relacionamento com Cristo" e que Trump deveria "ter algum crédito" sendo ele ainda "um bebê em Cristo".

O antigo pré-candidato a presidente Mike Huckabee, um pastor batista cuja filha, Sarah, é importante conselheira de Trump, carimbou "valores familiares" no candidato ao testificar a proximidade de Trump junto a seus filhos adultos. Huckabee descreveu seu relacionamento como "um dos mais admiráveis relacionamentos de pai e filhos que já vi".

Mas ainda que Dobson e Huckabee façam o maior esforço para ajudar os evangélicos a justificarem o apoio automático ao candidato republicano, o rev. Robert Jeffress, o influente pastor titular da Primeira Igreja Batista em Dallas e membro proeminente do comitê consultivo evangélico de Trump, deu uma razão muito mais utilitarista para o apoio a Trump para presidente. Ao invés de tentar defender as credenciais cristãs de Trump, Jeffress disse sem rodeios que face às conhecidas ameaças que os evangélicos enfrentam, "Eu quero o filho-da-mãe mais malvado e durão que eu puder achar para o papel, e acho que é isso o que muitos evangélicos também querem".

A vulnerabilidade extrema expressa por Jeffress é fundamental para entender o apoio dos evangélicos brancos a Trump e o esforço imenso que líderes evangélicos têm feito para poder fazer campanha por ele. Líderes como Jeffress identificam as ameaças à sua segurança no mundo exterior que os cerca.
Mas a raiva, ansiedade e insegurança sentidas por muitos evangélicos brancos contemporâneos são melhores entendidas como uma resposta a uma crise de identidade interna precipitada pelo fim da “América cristã branca”, o mundo cultural e institucional construído principalmente por protestantes brancos que dominaram a cultura americana até a década passada.

Hoje, os evangélicos brancos não apenas veem o declínio de seus próprios quadros como também enfrentam realidades demográficas e culturais mais amplas e genuinamente novas. Quando Barack Obama se elegeu presidente em 2008, os cristãos brancos (católicos e protestantes) constituíam a maioria (54%) do país. Hoje, este número baixou para 45 porcento. Durante o mesmo período o apoio ao casamento gay - um assunto-chave para os evangélicos - passou de apenas quatro em cada dez para uma ampla maioria, e a Suprema Corte abriu caminho para que casais homoafetivos se casem e todos os cinquenta estados. A própria Suprema Corte simbolizou tais mudanças ao perder seu último membro protestante, John Paul Stevens, em 2010.

Uma recente pesquisa de Public Religion Research Institute - Brookins mostra o porquê os protestantes evangélicos brancos estão se sentindo alarmados, na esteira das mudanças demográficas e culturais. Quase dois terços se incomodam quando encontram imigrantes que praticamente não falam inglês. Mais de dois terços creem que a discriminação contra brancos tornou-se um problema tão grande quanto a discriminação contra outros grupos. Quanto à discriminação contra cristãos, o número chega a oito em cada dez. E talvez o dado mais revelador de todos seja o de que sete em cada dez protestantes evangélicos dizem que o país mudou para pior desde a década de 1950.

Em grande medida, Ted Cruz, o filho de um pastor evangélico e ele mesmo um batista do sul, deveria ser o candidato a presidente dos evangélicos em 2016. Mas Trump conquistou os evangélicos ao abordar explicitamente seu senso de perda mais profundo. Cruz garantiu aos evangélicos que os protegeria das novas realidades, enquanto Trump prometeu devolver seu papel de protagonistas do país. Cruz ofereceu-se para negociar uma estratégia de retirada digna, enquanto Trump jurou fazer o tempo voltar.

A promessa de Trump de “fazer a América grande novamente” significa algo específico para os protestantes evangélicos brancos. Trump entrou em cena no momento em que a cortina baixava marcando o fim da era da dominância branca protestante.

A ascensão de Trump transformou as eleições de 2016 em um referendo sobre a morte da América cristã branca, sendo ele o candidato que atraiu mais aqueles que mais lamentam essa perda. Trump compreendeu isso instintivamente desde o começo de sua campanha. Tome como exemplo seu discurso em uma faculdade evangélica antes dos caucuses de Iowa em Janeiro: "Digo-lhes uma coisa: assim que eu for eleito presidente, nós estaremos dizendo 'feliz natal' de novo". Ele acrescentou que o cristianismo ressurgiria "porque se eu estiver lá, vocês terão bastante poder - vocês não precisarão de mais ninguém".

A forma como os evangélicos brancos responderem será importante para o futuro do experimento democrático americano. Caso seus profundos sentimentos de nostalgia e vulnerabilidade levarem-nos a abraçar Trump como um meio direto de voltar ao poder, podemos esperar, se ele vencer, mais processos judiciais e agitação civil, seguidos de mais igrejas politizadas e uma crescente polarização política ao longo das linhas culturais e raciais.

Por outro lado, caso os evangélicos de alguma forma invoquem uma resposta que esteja enraizada em uma aceitação real de seu lugar não-central na nova América, eles podem descobrir que têm um papel crítico a desempenhar na revitalização de nossa vida cívica.

Robert P.Jones, fundador e CEO de Public Religon Research Institute, é autor de “The End of White Christian America”.

Tradução: Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com )


Fonte: http://www.nytimes.com/2016/07/11/opinion/campaign-stops/the-evangelicals-and-the-great-trump-hope.html?

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Reflexão da Deã Jan Love Sobre o Atentado de Orlando

Reflexão da Deã Jan Love Sobre o Atentado de Orlando

"Permaneçam Firmes." "O Amor é Mais Poderoso." "O Amor Sempre Vence." Essas são algumas das frases em cartazes escritos à mão deixados no memorial improvisado localizado no parque entre a Prefeitura e o Centro de Artes Performáticas no centro de Orlando, a menos de duas milhas da PULSE, a popular boate gay na qual um atirador assassinou 49 pessoas e feriu outras 53 na madrugada de domingo. Visitei o memorial acompanhada por outros ex-alunos de Candler quando estive em Orlando nesta semana, para uma visita previamente agendada à Conferência Anual da Igreja Metodista Unida na Flórida, que está se reunindo nesta semana. Quando agendei a viagem, há algumas semanas, jamais poderia prever a experiência sagrada na qual ela se transformaria.
Desembarquei em Orlando ansiosa por descobrir como as pessoas de fé estavam reagindo ao horror do massacre ocorrido em seu meio. Menos de quatro dias após as mortes, ficou evidente que pastores e pastoras, bem como leigos e leigas - incluindo muitos ex-alunos de Candler - continuam a se mobilizar buscando oferecer sua presença, orações, consolação, instalações, água, comida, abraços e o que quer que a comunidade, atordoada e aflita, necessita enquanto pranteiam e tentam processar esse evento horrível. O cansaço compreensível daqueles que ministram não se comparava à sua determinação em encarnar o amor, a esperança, a misericórdia e a paz em uma comunidade ainda sofrendo em choque e aflição.

Cientes do poder de cura proporcionado pela adoração comunitária, os pastores da Primeira Igreja Metodista Unida organizaram um culto de adoração inter-religioso como uma forma de todos compartilharem sua aflição, encontrarem comunhão e testemunharem a esperança e a solidariedade frente à tragédia. As pessoas compareceram em massa ao culto em uma pungente demonstração do anseio generalizado por uma base comum em uma era de extrema polarização e violência em massa por demais frequente. O diversificado grupo de líderes que organizou o culto decidiu, a despeito de certo desconforto, citar o nome e orar por cada um dos 50 que morreram, daqueles que foram assassinados assim como daquele que os assassinou, bem como por aqueles que se feriram e por suas famílias e entes queridos.

Como diversas outras igrejas, a Igreja Metodista Unida St. Luke realizou um culto de oração na noite do atentado. St. Luke tem acolhido há tempos todos aqueles e aquelas que desejam seguir a Jesus em seus trabalhos, adoração, testemunho e liderança da igreja, incluindo os membros da comunidade LGBTT. Muitos dos membros de St. Luke são amigos e familiares das vítimas da boate PULSE, fazendo com que a tragédia se torne ainda mais pessoal Portanto, quando a St. Luke descobriu que manifestantes anti-gay planejavam vir a Orlando para protestar nos funerais e cultos memoriais das vítimas da PULSE, um líder leigo recorreu à comunidade de motociclistas para solicitar seu auxílio para construir um escudo formado por pessoas e suas máquinas - uma barreira de motos - para proteger os enlutados das ofensas dos manifestantes. Ela recebeu apoio apaixonado dos clubes de motociclistas da área, dispostos a ajudá-los desta forma.

Tais atos de compaixão demonstram o amor ao próximo que Jesus pregou e inspira a todos nós a nos mantermos firmes - juntos. Pessoas das diferentes religiões, clérigos e leigos, heterossexuais e LGBTT, crentes e aqueles que não conseguem crer, unidos para criar um espaço seguro onde todos podem ministrar uns aos outros, construindo uma comunidade mais forte na qual o valor sagrado de cada pessoa é reconhecido e acolhido.

Despertei nesta manhã já de volta em Atlanta, um tanto distante do imediatismo do choque e da aflição, mas ainda muito tocada por ele. Lembrei-me outra vez que uma das mais fortes e poderosas dimensões do mandato de Cristo para amar a Deus e ao próximo é o de canalizar a raiva justa que inevitável e compreensivamente surge a partir de incidentes como o massacre de Orlando, o massacre de Charleston, e muitos, muitos outros. Caso queiramos superar a homofobia, o racismo, a violência em nome da religião, o acesso fácil a armamento militar de assalto, a falta de acesso a cuidados mentais apropriados e outras forças mais que destroem pessoas e comunidades, nosso amor por Deus e por todos nós deve ser vivido de maneira a buscarmos incansavelmente a mudança social duradoura, um investimento no tipo de compaixão que nos move em direção da justiça.

Meu tempo em Orlando foi curto. Oramos, cantamos e choramos juntos, por um curto período. E a oração mais profunda foi a de que nós, como cristãos e cristãs, permanecêssemos juntos e juntas testemunhando o poder do amor para superar o mal e permanecermos firmes no trabalho pela justiça por todo o povo de Deus. Fazemos isso bem em Candler, e sou grata por caminhar ao lado de vocês enquanto trabalhamos com Deus e uns com os outros pela transformação do mundo.


Jan Love
É Deã da Candler School of Theology na Emory University, um dos seminários oficiais da United Methodist Church-Igreja Metodista Unida 

Tradução: Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com )
 Publicado originialmente em:http://candler.emory.edu/news/releases/2016/06/dean-love-reflects-on-orlando.html



quinta-feira, 26 de maio de 2016

Chamados para Resistir à Intolerância - Uma Declaração de Fé Obediente

Chamados para Resistir à Intolerância -
Uma Declaração de Fé Obediente



Durante as eleições, líderes religiosos têm o dever de recorrer a valores morais de suas tradições de fé que oferecem instrução e orientação sobre questões de incidência pública. Quando na esfera pública, os líderes religiosos devem tomar cuidado para não serem usados pela política ou por políticos, ou permitirem que suas tradições religiosas sejam exploradas por causas partidárias ou que suas comunidades de fé sejam transformadas em meros distritos eleitorais.
Como Martin Luther King Jr. afirmou, "A igreja precisa ser lembrada de que ela não é mestre ou serva do estado, mas sim a consciência do estado. Ela deve ser a guia e a crítica do estado, nunca seu instrumento."
A questão correta, para os Cristãos, inclui: O que diz a Bíblia? O que ensina Jesus? Como tais convicções podem ser melhor aplicadas às complexas e imperfeitas escolhas que dizem respeito às eleições políticas? Cristãos diversos chegarão a diferentes conclusões sobre tais questões - e votarão de maneira diferente - e as diferenças devem ser respeitadas em uma sociedade democrática e civil.
Todavia, em momentos fundamentais da História, cristãos de todas as tendências no espectro político unem-se em torno de realidades políticas que ameaçam a integridade fundamental da fé cristã e o bem estar da própria sociedade. Por vezes, o que é chamado de política acaba por resultar em crises morais e a forma como respondemos a elas podem colocar nossa fé em jogo.
Nós, abaixo assinados, cremos que este é um desses momentos, e que as igrejas neste país, bem como o próprio país, estão hoje diante de uma ameaça moral. Estamos testemunhando os piores valores de nossa nação e sua história serem exibidos através de uma mensagem de estilo vulgar. Um apelo direto à intolerância racial, religiosa e de gênero que está sempre sob a superfície da política americana passa a ser dolorosamente trazido à luz.
O domínio de um candidato demagogo e sua mensagem, combinado com um eleitorado raivoso alimentado por ele, ameaçam tanto aos valores de nossa fé como à saúde de nossa democracia. Donald Trump promove diretamente a intolerância racial e religiosa, desrespeita a dignidade das mulheres, traz danos ao discurso público, ofende a decência moral e busca manipular a religião. Isto não é mais a política como de costume, mas sim uma crise moral e teológica, e desta forma somos compelidos a nos manifestarmos como líderes religiosos. Essa declaração não é de forma alguma um aval a outras candidaturas, muitas das quais frequentemente lançando mão da mesma política racial de formas mais sutis. Mas embora seja verídico que Donald Trump não tenha sido o primeiro na longa tradição de pecados raciais americanos, ele está fazendo com que os piores instintos de nossa nação emerjam, evidenciando o que costuma ser encoberto, explicitando o que costuma ser implícito.
A vulgar e muito evidente demagogia religiosa e racial de Trump representa um perigo e também uma oportunidade - para expor publicamente e resistir ao que há de pior nos valores americanos. Ao confrontarmos uma mensagem tão contrária a nossos valores cristãos, nossas vozes religiosas podem ajudar a criar uma forma poderosa de divulgar nossa fé verdadeira e nossos melhores valores americanos em meio à crise e confusão moral de nossa nação.
Há, compreensivelmente, raiva em todo o país. O fracasso de Washington e de Wall Street permitiu o surgimento de uma raiva legítima por parte dos cidadãos, bem como a alienação em todo o espectro político, e muitos de nós demonstram empatia por muitas pessoas que se sentem marginalizadas e ignoradas pelas elites econômicas, políticas e midiáticas que não servem às suas necessidades. Como líderes religiosos e comunidades precisamos chegar a todos aqueles e aquelas que são marginalizados e marginalizadas – mesmo que precisemos cruzar as fronteiras raciais e ideológicas - para ouvi-los, aprender com eles e servi-los.
Mas Donald Trump, uma celebridade dos mundos da especulação imobiliária e dos reality shows, está manipulando essa raiva para aproveitar-se politicamente dela - às custas do bem comum. Trump está usando descaradamente o ressentimento racial, medo e ódio - sempre presentes de maneira perigosa em nossa sociedade - para impulsionar um movimento contra "o outro", visando outras raças, mulheres, culturas, etnias, nações, credos e toda a religião global.
Isso é totalmente contrário ao amor reconciliador de Deus professado por todos aqueles que confessam a Jesus como Senhor. Portanto, nós, líderes religiosos, desta forma confessamos nossa resistência à mensagem e às ações de Donald Trump. A mensagem de Donald Trump e a forma com a qual ele a comunica são a antítese dos valores cristãos, e é hora de que os líderes religiosos digam isto. A mídia preocupa-se apenas com sua audiência e com as pesquisas eleitorais sobre a mensagem de Donald Trump; por outro lado, líderes religiosos deveriam concentrar-se na moralidade de sua mensagem.
A demografia dos Estados Unidos está mudando. Em breve este país não será uma nação majoritariamente branca, mas sim contará com uma maioria de minorias. Cremos, como líderes religiosos, que nossa diversidade cultural emergente é uma benção, não uma ameaça. Mas Donald Trump, bem como a seus seguidores, colocou-se em oposição à América mais diversificada na qual estamos nos tornando. Ele defende o status quo de poder e privilégio da maioria branca. A isso, Trump acrescenta o uso e o abuso de mulheres e a defesa de velhos patriarcados. Como líderes cristãos, rejeitamos tais ataques raciais e sexistas contra nossos irmãos e irmãs.
A crescente diversidade racial e cultural em nossas igrejas deveria ser acolhida por aqueles que creem no Evangelho de Jesus Cristo e abraçada por aqueles que se chamam de Corpo de Cristo. Ao invés disso, Donald Trump está apoiando a política de raça e ódio, chegando a ponto de justificar a violência política. Sua retórica divisiva, aliada a atitudes racistas, intolerantes e cheias de ódio, combinadas com nacionalismo xenofóbico, está sendo adotada entusiasmadamente por milhões - inclusive por muitos que se auto identificam como cristãos, que tem permitido que sua identidade racial coloque sua fé em xeque. Isto é oposto à verdade do Evangelho de Jesus Cristo.
Lamentavelmente, a política de violência racial tem sido repetidamente usada contra as pessoas negras em nossa história – precisamente, desde a fundação de nossa nação. Mas ao invés de demonstrar arrependimento pelo pecado original do racismo americano, Donald Trump explora a legítima queixa dos brancos americanos marginalizados em relação à economia, colocando a culpa de maneira falsa e sórdida na questão racial.
Os ataques pessoais de Trump contra o primeiro presidente negro dos Estados Unidos como sendo ilegítimo e não sendo um de "nós", suas falsas acusações contra afro-americanos, seus ataques cruéis contra mexicanos e o estímulo ao medo dos imigrantes em geral, suas afirmações de que a maioria dos muçulmanos odeiam os EUA e sua proposta para bani-los de nosso país, sua defesa da tortura e do assassinato de famílias e filhos de terroristas - tudo isso é objeto de profunda preocupação de nossa parte como líderes religiosos. Devemos dizer não a toda essa falsidade, ódio e violência, em defesa de todos os filhos e filhas de Deus, em toda sua diversidade.
Relatos de bullying contra crianças hispânicas e muçulmanas nos pátios escolares indicam o perigo que tal mensagem impõe à cultura. Portanto, é hora para que Republicanos e Democratas de consciência moral levantem suas vozes contra tal mensagem. A ascensão da intolerância declarada e da demagogia explícita requer mais que uma resposta política - mas sim exige uma declaração de oposição moral e mesmo religiosa e resistência teológica.
Muitos no Partido Republicano tem usado há décadas a política racial de maneira estratégica, e esta chama agora arde fora de controle. Eles tem colhido os votos de muitos eleitores brancos da classe trabalhadora, mas falharam em representá-los e responder às suas necessidades. Ao invés, o uso que tais líderes republicanos fazem do ressentimento racial e do extremismo político tem servido como solo fértil para a ascensão de líderes como Donald Trump. Felizmente, alguns líderes republicanos condenaram e se dissociaram de muitas das mais perniciosas declarações e posições de Trump, mas muitas das vozes que clamam por um Partido Republicano mais inclusivo foram varridas do mapa. Nossos dois partidos políticos exploraram as minorias raciais e não mantiveram as promessas feitas. Essa demagogia racial molda de forma negativa as políticas dos outros candidatos e revela de maneira alarmante as disparidades raciais estruturais contínuas em nossa vida política, em ambas as linhas partidárias.
A promoção do medo racial e religioso e do ódio, e a justificativa da violência policial, são questões para o Evangelho, não apenas questões político-partidárias. A resistência confessional a esta mensagem é uma exigência para cristãos fiéis. Isso não é um mero debate eleitoral no qual os cristãos defendem visões políticas opostas que diferem de maneira legítima. Ao contrário, é um teste público sobre verdade e discipulado cristãos. A história registra outros momentos nos quais as igrejas foram impelidas a confessarem publicamente as verdades da fé de forma a confrontarem movimentos políticos que representavam ataques traiçoeiros e perigosos ao evangelho – de forma a clarificarem o testemunho cristão fiel em época de crise.
Mensagens inflamadas de intolerância racial, religiosa e nacionalista compelem à resistência confessional por parte de cristãos fiéis que creem que a imagem de Deus está igualmente presente em cada ser humano. Sustentamos que o chamado para amar a Cristo acontece no encontro com o outro, e cremos que a justiça social é um componente integral do caminho de Jesus, conduzindo-nos a levantarmos nossas vozes em favor de nosso próximo contra ataques políticos, especialmente os promovidos por líderes e governos opressores. O racismo é um pecado contra o Espírito Santo; opõe-se claramente à obra de Deus no mundo; e nós cristãos e cristãs somos chamados a defender o nosso próximo. Devemos sempre sustentar, tanto na vida privada quanto em público, o princípio de reciprocidade – a Regra Áurea - de que devemos tratar ao outro da forma como queremos ser tratados.
Ao nos depararmos com mensagens perigosas e demagógicas de medo racial, ódio, xenofobia, desrespeito de gênero e ideologia nacionalista, cabe aos cristãos liderarem através do exemplo - em favor da justiça e reconciliação racial, respeito mútuo, civilidade, serviço, liberdade religiosa, paz e solidariedade internacional. Devemos liderar com nossos melhores valores, e mostrar como o povo de Deus pode ajudar a guiar rumo a Estados Unidos mais diversos, justos e unidos. A vocação cristã é a de construir pontes ao invés de muros, como recentemente nos lembrou o Papa Francisco.
O pastor e teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer certa vez escreveu, "O silêncio em face do mal é o mal em si; Deus não irá nos inocentar. Não falar é falar. Não agir é agir." Portanto, somos chamados a falar e a agir, a partir de nossos púlpitos e grupos de oração em toda a nação, declarando nossa recusa em cooperar, através de palavras e atos, com atos de intolerância e ódio, não como grupo político ou voz partidária, mas como discípulos de Jesus Cristo. Podemos usar a oportunidade para falarmos claramente sobre contra o que nos opomos, demonstrar e liderar através do exemplo em favor daquilo que propomos.
Não podemos fazer nada diferente disso.
Apêndice
As ofensas cometidas por Donald Trump incluem:
* Começou sua carreira política ao questionar a legitimidade do primeiro presidente negro dos Estados Unidos como não sendo um estadunidense legítimo, emitindo ou distribuindo comentários, imagens e mentiras degradantes sobre os afro-americanos e recusando-se a dispensar de maneira rápida e definitiva o apoio recebido por sua candidatura da KKK e outros grupos supremacistas brancos.
* Iniciou sua candidatura tendo empregado em sua plataforma nacional ataques racistas, caluniosos, incendiários e insultantes contra mexicanos e outros imigrantes, dessa forma colocando em risco não apenas todos os latinos nos Estados Unidos, mas outras pessoas de cor, que passaram inclusive a ser alvos de bullying escolar. Junto de outros, propôs uma deportação maciça e cruel de cada imigrante não documentado vivendo nos Estados Unidos, o que separaria e destruiria milhões de famílias.
* Condenou generalizadamente o Islã como religião e propôs uma proibição sem precedentes e inconstitucional da imigração de muçulmanos aos Estados Unidos; falsamente acusou os muçulmanos estadunidenses de muitas coisas, inclusive de uma suposta comemoração pelos ataques de 11 de setembro, desta forma questionando a lealdade nacional de milhões de nossos concidadãos - o que solapa nossa segurança nacional ao alienar e marginalizar nossos vizinhos muçulmanos.
* Fez inúmeros comentários objetificantes e degradantes sobre as mulheres, desrespeitando-as em sua dignidade e em sua igualdade - inclusive ao zombar da aparência de candidatas mulheres e das esposas dos candidatos que concorrem com ele e também emitindo ofensas sexistas contra mulheres jornalistas que o questionaram. Sua ostentação sexual e as traições a suas diversas esposas ofendem a homens e mulheres e servem como exemplo negativo para nossos filhos e filhas.
* Zombou de um jornalista deficiente físico, criando um ambiente que pode levar a mais zombarias contra pessoas deficientes.
* Ameaçou "baixar" leis de difamação para que possa punir aqueles que o criticam, uma clara ameaça à liberdade de expressão e liberdade de imprensa, o que, juntamente com suas contínuas hostilidades verbais e não-verbais contra a imprensa, tem criado um ambiente ameaçador para os jornalistas que cobrem sua campanha. As declarações e ações extremamente negativas por parte de Trump contra uma imprensa livre e crítica é um desconforto para muitos de nós. Sem desculpar-se, tem expressado seu apoio a ditadores mãos-de-ferro e seu combate a dissidentes, enviando assim um sinal.
* Seus comícios tornaram-se ambientes assustadores que ameaçam e ocasionalmente promulgam a violência através de atos e palavras. Ao encorajar, de maneira implícita e explícita, a violência e o ataque físico àqueles que protestam em seus comícios, ele tem colocado a discussão pública sob risco, chegando a explorar tais incidentes para seu próprio proveito político. Não apenas ele deixa de denunciar de maneira inequívoca e enfática o comportamento violento de seus apoiadores como ele tem incentivado tais práticas e, quando as pessoas levam-nas a cabo, ele oferece-se para pagar as custas legais.
* Por diversas vezes ameaçou empregar técnicas de tortura "muito piores" que o afogamento simulado contra os inimigos nacionais e ameaçou matar "familiares", inclusive os filhos, dos suspeitos de terrorismo – algo completamente incompatível com a lei estadunidense e internacional
* Endureceu o discurso político através do uso de ameaças, expressões vulgares e ataques pessoais vis contra seus oponentes - justificando desta forma que seus seguidores adotem causticidade semelhante. Mentiu repetidamente, de maneira aparentemente patológica, sobre diversos assuntos quando questionado sobre os fatos. Ao invés de aprofundar a discussão pública, ele estimula sentimentos de raiva em solo estadunidense e já tornou piores as relações com outras nações, alvos de seus ataques verbais.
* Define a liderança em termos de força, dureza, "vencer", e "fechar negócios", ao invés de adotar a ética do "serviço" público, buscar uma base comum ou servir ao bem comum. Para ele a política é reduzida a batalhas que são ganhas/perdidas, com líderes sendo vencedores contra os perdedores Oferece-se para ser o homem forte, autoritário, ao invés do líder servidor, e sua definição distorcida de liderança faz com que as virtudes cristãs da humildade, compaixão, empatia, mutualidade e integridade desapareçam.
Ao invés de aprender com seus erros, a lista de ofensas morais de Trump não para de crescer. É hora de dizer basta.
* As organizações são mencionadas com o único propósito de identificação.

Rev. Claude Alexander, Pastor, The Park Church
Rev. Donald H. Ashmall, Ministro Conselheiro, International Council of Community Churches
Arcebispo Vicken Aykazian, Núncio Apostólico da Diocese Oriental da Igreja Apostólica Armênia
Bispo Carroll Baltimore, Sr., Presidente e CEO, Global Alliance Interfaith Networks
Rev. Leroy Barber, Fundador, Voices Project
Rev. Traci Blackmon, Ministro Executivo Interino, Justice & Witness Ministries, UCC (Igreja Unida de Cristo)
Rev. Dr. Peter Borgdorff, Diretor Executivo Emérito, Igreja Cristã Reformada na América do Norte
Rev. Dr. Brad Braxton, Pastor Sênior Fundador, The Open Church of Maryland (A Igreja Aberta de Maryland)
Rev. Jennifer Butler, CEO, Faith in Public Life
Dr. Iva Carruthers, Secretário Geral, Samuel DeWitt Proctor Conference
Rev. Dr. Shawn Casselberry, Diretor Executivo, Mission Year
Noel Castellanos, CEO e Presidente, CCDA
Shane Claiborne, Diretor, Red Letter Christians
Marie Dennis, Co-Presidente, Pax Christi International
Rev. Joshua Dubois, Fundador e CEO, Values Partnerships
Rev. Dr. Gerald Durley, Pastor Emérito, Providence Baptist Church
Dr. Robert M. Franklin, Presidente Emérito, Morehouse College
Rev. Wes Granberg-Michaelson, Secretário Geral Emérito, Igreja Reformada na América
Dr. David Gushee, Professor, Mercer University
Dr. Mimi Haddad, Presidente, Christians for Biblical Equality
Rev. Cynthia Hale, Pastora Sênior, Ray of Hope Christian Church (Igreja Cristã Raio de Esperança)
Rev. Dr. Derrick Harkins, Vice Presidente Sênior de Programas Públicos, Union Theological Seminary
Lisa Sharon Harper, Chefe Executiva de Engajamento Eclesiástico, Sojourners
Rev. Dr. Frederick D. Haynes III, Pastor Sênior, Friendship West Baptist Church; Membro do Conselho, Samuel DeWitt Proctor Conference
Rev. Alvin Herring, Vice Diretor de Formação de Fé, PICO National Network
Michelle Higgins, Diretora, Faith for Justice
Hyepin Im, Fundador e Presidente, Korean Churches for Community Development
Micky ScottBey Jones, Teóloga Pública, Ativista, Organizadora, Faith Matters Network
Rev. Dr. Jacqui Lewis, Ministro Sênior, Middle Collegiate Church
Rev. Carlos Malave, Diretor Executivo, Christian Churches Together
Rev. Michael A. Mata, Diretor de Los Angeles, Programa de Transformação de Lideranças Urbanas, Azusa Pacific Seminary
Rev. Michael-Ray Mathews, Diretor de Organização Clériga, PICO National Network
Rev. Timothy McDonald III, Pastor, First Iconium Baptist Church
Rev. Brian McLaren, Escritor/Palestrante, Convergence
Rev. Carolyn Metzler, Coordenadora de Vida Espiritual, Living School for Action and Contemplation
Rev. Dr. Otis Moss III, Pastor Sênior, Trinity United Church of Christ (Igreja Unida de Cristo Trinity)
David Neff, Editor Chefe aposentado, Christianity Today
Rev. Dra.
Karen Oliveto, Pastora Sênior, Glide Memorial UMC (Igreja Metodista Unida Glide Memorial)
Rev. Adam Phillips, Christ Church (Igreja de Cristo), Portland
Rev. Dr. Soong-Chan Rah, Milton B. Engebretson Professor de Crescimento de Igreja e Evangelismo, North Park Theological Seminary
Rev. Rudy Rasmus, Pastor Sênior Conjunto, St. John’s United Methodist Church (Igreja Metodista Unida St.John)
Fr. Richard Rohr, O.F.M., Fundador, Center for Action and Contemplation
Dr. Steve Schneck, Diretor, Institute for Policy Research & Catholic Studies, The Catholic University of America
Rev. Dr. Ronald J. Sider, Distinto Professor Sênior de Teologia, Ministério Integral e Política Pública, Palmer Seminary em Eastern University
Dr. T. DeWitt Smith Jr., Pastor Sênior, Trinity Baptist Church of Metro Atlanta, Co-Presidente, National African American Clergy Network
Rev. Ron Stief, Diretor Executivo, National Religious Campaign Against Torture
Rev. Robert H. Thompson, Exeter, N.H.
Rev. Anthony L. Trufant, Pastor Sênior, Emmanuel Baptist Church
Rev. Jim Wallis, Fundador e Presidente, Sojourners
Rev. Dr. Raphael Warnock, Pastor Sênior, Ebenezer Baptist Church
Dra. Joan L. Wharton, Pastora, Hemingway Temple AME Church (Igreja Metodista Episcopal Africana)
Dr. Reggie Williams, Professor Assistente de Ética Cristã, McCormick Theological Seminary
Dra. Barbara Williams-Skinner, Co-Presidenta, National African American Clergy Network
Rev. Jim Winkler, Presidente e Secretário Geral, National Council of Churches
Rev. Dr. Frank Yamada, Presidente, McCormick Theological Seminary

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Por que Estou Deixando as Assembleias de Deus para unir-me à Igreja Metodista Unida (Parte 2 - Teologia)

Por que Estou Deixando as Assembleias de Deus para unir-me à Igreja Metodista Unida (Parte 2 - Teologia)



18 de fevereiro de 2016 por Jeremiah Gibbs
Eu expliquei na parte 1 algumas das razões ministeriais pelas quais estou me transferindo para a Igreja Metodista Unida. Neste texto irei explicar algumas das razões doutrinárias. Todavia, devo admitir que as razões principais pelas quais estou me transferindo não tem nada a ver com teologia ou ministério.
Minha esposa e eu somos ministros ordenados por dois sistemas separados. Como expliquei no texto anterior, a longa carreira ministerial que temos diante de nós certamente será mais tranquila caso estejamos sob um único método pelo qual nosso chamado seja administrado. Tal fato, combinado com meu crescente envolvimento com a IMU nos últimos anos, explica o porquê minha mudança se dá neste momento.
Dito isto, sinto-me vocacionado como teólogo e esta compreensão é fundamental para saber se meu trabalho se dá no ministério pastoral, no ensino ou mesmo interagindo com as pessoas nas mídias sociais. É quem eu sou. Não poderia entrar na IMU se não estivesse satisfeito pelo fato de sua tradição teológica ser uma que possa e deva ser adotada. Portanto, eis alguns dos motivos pelos quais considero esta tradição digna de ser adotada.
Primeiramente, os metodistas unidos adotam tanto uma ortodoxia ampla quanto um espírito católico. A Igreja Metodista Unida é teologicamente comprometida com as doutrinas históricas da ortodoxia através dos Artigos de Religião, Confissão de Fé, e os credos e hinos do Hinário Metodista Unido. Os compromissos centrais do cristianismo ortodoxo estão no coração da doutrina metodista. Os Artigos de Religião exigem fidelidade à suficiência das Escrituras, à Trindade, divindade de Cristo, sua morte justificadora e ressureição corpórea e às noções tradicionais sobre a igreja e os sacramentos. Mudar a doutrina dos Artigos e Confissão envolveria um processo de emenda constitucional extremamente difícil. Isto é como deve ser. A afirmação de que a Igreja Metodista Unida é uma comunidade "apostólica" vincula um comprometimento com a fé depositada desde a igreja primitiva.
Todavia, John Wesley disse, “Se teu coração é como o meu coração, dá-me a tua mão.” No mesmo sermão, "O Espírito Católico,i" Wesley sugere que dar sua mão a outro não significa uma espécie de aceitação passiva, mas amor ativo e estimulador mútuo em direção ao Evangelho. Wesley considerava que isto era possível mesmo que nunca concordássemos em todas as questões doutrinárias. Em suas próprias palavras no mesmo sermão, "Guarda tua opinião; eu guardarei a minha — e isto tão firmemente como nunca." Ao mesmo tempo em que Wesley tinha uma teologia distintiva e esperava o mesmo dos pregadores metodistas, ele encorajava os metodistas a acolherem a todas as pessoas de boa vontade. Discordância não significava falta de companheirismo. Wesley parecia sugerir que as diferenças entre dois cristãos podem chegar a ponto de contribuir para a santificação de ambos. A diferença é positiva para o crescimento espiritual. E tudo isso é possível pelo laço do amor mútuo. Charles Wesley celebrava tal espírito em uma canção:
Redimido por Vossa graça soberana,
Experimento minha liberdade gloriosa,
Com braços abertos ao mundo abraço,
Mas uno-me àqueles que se unem a Ti ("Amor Católico")
Em segundo lugar, os metodistas unidos adotam ao mesmo tempo uma teologia e espiritualidade sacramental e uma teologia e espiritualidade evangelical. Assim como os metodistas unidos unem forças opostas de forma a serem inclusivamente católicos e tradicionalmente ortodoxos, os metodistas unidos também mantém outros comprometimentos em tensão. Por mais de 400 anos os cristãos tem lutado para resolverem a questão sobre a eficácia dos sacramentos e a obra redentora e vivificante de uma conversão interior. As noções tradicionais sobre os sacramentos cristãos sugerem que o batismo e a Eucaristia sejam um sinal externo e visível de uma graça interna e espiritual. Quando tais atos são executados, Deus age sobre a vida dos participantes. No caso do batismo, isto é considerado tanto como a purificação do pecado original como a iniciação de um novo nascimento. Em seu sermão "Os Meios da Graçaii", Wesley perguntou retoricamente aos críticos da Eucaristia,
O comer aquele pão e o beber aquele cálice não constituem meios exteriores, visíveis, através dos quis Deus comunica a nossas almas toda a graça espiritual, a justiça, a paz e o gozo no Espírito Santo, que foram adquiridos pelo corpo de Cristo, uma vez quebrado, e pelo seu sangue, uma vez derramado por nós?
Para os metodistas e outros cristãos sacramentais, esses atos físicos de adoração são os meios pelos quais Deus age na vida de um crente.
Mas teólogos evangelicais no tempo de Wesley e em nosso tempo criticam tal noção ao insistirem que apenas a conversão interior importa para a salvação. Esta conversão evangélica, uma experiência descrita por Wesley como tendo seu "coração estranhamente aquecido" em Aldersgate, era central para a compreensão que Wesley tinha sobre o novo nascimento. O movimento metodista primitivo era, em sua essência, um movimento evangelical no seio de uma igreja sacramental, anglicana. Embora os metodistas primitivos fossem menos propensos a discutirem as especificidades da teologia sacramental que seus contemporâneos, eles, no entanto, mantinham sua sacramentalidade enquanto se moviam rumo a noções evangélicas de conversão. O hino de Charles Wesley, "A Grande Ceia", exibia uma alta noção de sacramentalidade.
Venha, e participe do banquete do evangelho,
Seja salvo do pecado, em Jesus descanse:
Oh prove da bondade de nosso Deus,
E coma Seu corpo, e beba seu sangue.
A verdade da experiência da conversão evangélica em minha vida e na vida daqueles a quem tenho ministrado é inegável. Quando fiz uma curta oração aceitando a Jesus aos 17 anos de idade, Deus fez algo miraculoso em mim. Deus já tinha salvo minha alma quando eu fui finalmente batizado oito meses depois. Tampouco posso negar o ministério poderoso do Espírito enquanto eu e outros nos submetemos aos meios da graça, principalmente os sacramentos. John Wesley adverte aos metodistas a não "tomarem os meios como fim e a colocar a religião, menos na posse de um coração renovado segundo a imagem de Deus do que na prática daqueles atos exteriores." (Sermão "Os Meios da Graça") Mas a crítica de toda sacramentalidade porque alguns "abusam" dos sacramentos ao participarem deles sem um coração reto baseia-se em uma falsa dicotomia. Wesley e o povo chamado metodista são aqueles que podem sacudir essa falsa dicotomia ao insistir em uma participação fiel nos sacramentos com um coração totalmente voltado a Deus.
Em terceiro lugar, os metodistas unidos adotam tanto a santidade social quanto a santidade pessoal. Enquanto a dicotomia entre a espiritualidade sacramental e a espiritualidade evangélica surgiu principalmente durante a crítica reformada à Igreja Católica Romana, outra falsa dicotomia surgiu durante as controvérsias fundamentalistas-modernistas do final do século 19 e início do século 20: a tensão entre santidade social e santidade pessoal. Liberais sociais e teológicos deste período eram fortes defensores dos argumentos teológicos por justiça social, tais como os defendidos por Walter Rauschenbusch e outros. Ao mesmo tempo, os movimentos de santidade deste período propagavam a devoção individual a Deus em oração e ao exorcizar os demônios do álcool. Alguns wesleyanos, o Exército de Salvação sendo um bom exemplo, eram capazes de adotar a santidade pessoal e a santidade social como prioridades duplas, a despeito da disputa cultural em curso. Mas muitos, durante este período, começaram a defender um ou outro como se fossem separáveis.
Wesley precedia tal dicotomia. Quando ele chamava o povo metodista para viver a santidade radical, ele imaginava que educar os presidiários e pregar aos pobres era tão parte integrante dessa visão quanto o jejum constante, a oração e a adoração. A ética wesleyana era resumida nas "Regras Gerais" que Wesley propôs para as sociedades e são ainda observadas pelos metodistas de hoje.
Ele os instava a "não praticar o mal," o que se refere a questões de santidade pessoal tais como a profanação do dia do Senhor ou a embriaguez. "Não praticar o mal" também conclamava os metodistas a práticas justas e corretas de negócios e não desperdiçar o dinheiro com joias ou frivolidades.
Seu chamado para "praticar o bem" significava alimentar o faminto, vestir o nu, enquanto ao mesmo tempo deve-se amar ao seu companheiro cristão como seu próximo (Regras Gerais, Book of Discipline parágrafo 104). Não deveria surpreender que um homem que encorajava a leitura diária da Bíblia insistia no fato de ser uma injustiça que um homem negro não pudesse testificar contra um homem branco sob a lei britânica ("Carta a William Wilberforce"). Ele compreendia que a Bíblia direcionava a uma sabedoria prática, que zombava dessa política racista. Wesley sabia que a imagem de Deus se encontrava da mesma forma em todas as pessoas e isto conclamava a todas as pessoas para o amor. Os hinos de Charle Wesley também abordavam temas dae santidade pessoal e social. Canções como "Jesus, Thine All-Victorious Love" (Jesus, Seu Amor Todo Vencedor) convidam Deus a "queimar toda a escória do desejo vil." Tal noção de que a vontade pecaminosa de uma pessoa deve ser crucificada de forma que ele ou ela possam ser aperfeiçoados em amor é central na doutrina da santificação. Charles Wesley também convidava ao lamento pelos males sociais:
Nossa terra lamentamos por ver
inundadas pela maldade,
com violência, erros e crueldade,
em um largo campo de sangue,
onde homens quais demônios rasgam uns aos outros
em toda fúria infernal de guerra. (Nossa terra lamentamos por ver)
A espiritualidade wesleyana revela que a dicotomia entre santidade pessoal e social é claramente falsa.
Embora eu às vezes me debata a natureza um tanto eclética da teologia de Wesley, sua habilidade de se basear em fontes múltiplas é o motivo pelo qual ele é capaz de superar essas falsas dicotomias. Conforme expliquei, o compromisso com a ortodoxia não precisa ocasionar divisões no Corpo de Cristo. Uma percepção forte sobre a necessidade da conversão evangélica não exige que os sacramentos tenham de ter um papel menor. Um comprometimento com uma sociedade mais justa não exclui a santidade de coração e vida. Embora eu não tenha elaborado esses itens acima, o pensmento wesleyano nos permite superar outras falsas dicotomias. O conhecimento e a piedade vital não são virtudes opostas. Uma afirmação sobre a depravação da alma humana pode reconhecer o poder da graça preveniente. Um foco no sacramento da Eucaristia não precisa diminuir o poder da pregação. A autoridade do episcopado e do clero não devem sufocar nossa esperança e esforço por um laicato empoderado e apaixonado.
A teologia wesleyana requer que as pessoas vivam em tensão. O desconforto de viver esta tensão molda as pessoas metodistas a serem como Cristo.
Embora eu não me oponha ao núcleo dos conceitos teológicos da doutrina da AD, as Assembleias de Deus e muitas outras tradições cristãs costumam tomar medidas de maneira muito precipitada com o intuito de resolverem essas questões que costumam aparecer na teologia. Apenas como um exemplo, as Assembleias de Deus tem um conjunto modesto com apenas 16 "verdades fundamentais" que formam o núcleo de seu compromisso doutrinário. Mas quatro dessas afirmações evocam um enredo elaborado e preciso do "final dos tempos", com cada um desses quatro componentes sendo debatidos pelos teólogos quanto às suas interpretações autorizadas. Embora não me oponha às implicações dessas afirmações, a escatologia é uma questão teológica complexa, sendo melhor deixá-la para afirmações mais amplas.
Por outro lado, a Confissão de Fé da Igreja Metodista Unida diz apenas que "cremos que todas (as pessoas) estão sob o justo julgamento de Jesus Cristo, tanto agora quanto no dia final. Cremos na ressurreição dos mortos; os justos para a vida eterna e os injustos para a condenação sem fim." Nada mais. Poucos detalhes são dados. Os membros e os ministros tem espaço para lerem as Escrituras diligentemente e proclamarem uma visão que seja compatível com essa doutrina mínima. Em um esforço para trazer esclarecimentos às comunidades, muitos tem tomado o caminho de simplificar ideias complexas. A Igreja Metodista Unida dá o espaço para abraçar a complexidade e o mistério de uma teologia integralmente bíblica. Espero servir neste ambiente.

Tradução: Fabio Martelozzo (fabiomartelozzo@gmail.com)
ihttp://www.metodista.org.br/content/interfaces/cms/userfiles/files/documentos-oficiais/SERMAO_39_O_ESPIRITO_CATOLICO.pdf

iihttp://www.metodista.org.br/content/interfaces/cms/userfiles/files/documentos-oficiais/SERMAO_16_OS_MEIOS_DE_GRACA.pdf

Parte 1: http://deusnoplural.blogspot.com.br/2016/03/por-que-estou-deixando-as-assembleias.html

terça-feira, 29 de março de 2016

Por que Estou Deixando as Assembleias de Deus para unir-me à Igreja Metodista Unida (Parte 1)

Por que Estou Deixando as Assembleias de Deus para unir-me à Igreja Metodista Unida (Parte 1)


16 de fevereiro. Por Jeremiah Gibbs
Algumas decisões são bem mais difíceis de serem tomadas do que outras. Por muitos anos, a decisão de migrar das Assembleias de Deus para a Igreja Metodista Unida parecia ser uma das difíceis. Mas agora esta decisão se tornou extremamente fácil.
Em um primeiro momento, as Assembleias de Deus (AD) pareceriam ter uma série de aspectos positivos. São uma das duas principais denominações cristãs que continuam a crescer ano após ano nos Estados Unidos. Concedem um nível de autonomia bastante alto para seus pastores e igrejas. A espiritualidade é vibrante e estimula um relacionamento profundo com Deus.
A Igreja Metodista Unida (IMU) parece colecionar problemas quanto as AD coleciona sucessos. A membresia da IMU está em queda livre desde sua formação em 1968. Em cada reunião de seu órgão administrativo há conflitos relacionados à homossexualidade e nos anos de interregno há uma série de manobras e ameaças. E submeter-se a esse sistema significa perder um grande controle sobre sua própria carreira ministerial.
A verdade é que a razão mais importante para que eu deixe a AD é completamente pessoal. Minha esposa é uma pastora ordenada da Igreja Metodista Unida. Os metodistas unidos são nomeados para suas igrejas pelo bispo e por sua equipe. Na AD não há tal sistema de nomeação. Portanto, em certo momento minha esposa poderia ser nomeada para longe de meu trabalho e eu teria muitas dificuldades para encontrar uma nomeação pastoral importante próximo a ela. Ao fazer parte da IMU, a partir deste momento o bispo e seu gabinete serão responsáveis por garantir que eu seja nomeado com uma boa remuneração no ministério, caso queiram nomear a Jen para um lugar distante. Sou grato por estar sob um sistema que seja responsável por nós dois. Também é importante o fato de ter-me graduado (duas vezes) em um seminário metodista unido, ensine e pastoreie em uma universidade ligada à Igreja Metodista Unida e sirva regularmente em funções de liderança denominacional no âmbito da IMU. O fato é que me tornei mais próximo da IMU do que da AD nos últimos dez anos.
Além desses motivos pessoais, que são os mais importantes para mim, há também algumas razões teológicas e ministeriais. Essas provavelmente serão muito mais interessantes para meus leitores. Em minha próxima postagem discutirei algumas das razões teológicas pelas quais estou trocando a AD pela IMU. Mas aqui estão algumas das razões ministeriais para a minha mudança:
  1. A IMU oferece um espaço para que os ministros se esforcem com a teologia. A AD possui alguns parâmetros muito estreitos sobre o pensar a teologia e romper tais parâmetros pode ter alguns custos muito altos para os ministros. Caso a igreja queira articular uma visão do Reino de Deus em uma cultura pós-cristã, os pastores e teólogos precisam ter liberdade para lidarem com as doutrinas de nossa fé sem medo. A IMU é um ambiente cultural no qual se encoraja e se adota claramente a investigação teológica. Por outro lado, a IMU possui muitos ministros que são mais progressistas que eu. Mas algumas vezes é melhor estar lado a lado de alguém de quem se discorda muito mas que irá respeitá-lo, do que estar ao lado de alguém de quem se discorda pouco mas que pouco o respeita. Nunca me imagino em uma situação na qual eu concorde plenamente com qualquer grupo grande de pessoas em qualquer assunto. Mas como será quando discordarmos?
  2. A IMU precisa de pessoas com dons em discipulado e liderança organizacional. Não conheço tão profundamente a IMU para entender todos os motivos, mas muitas Igrejas Metodistas Unidas tem uma necessidade muito grande de discipulado básico em suas congregações. Tenho certeza de que posso contribuir bastante pois discipulado e liderança organizacional são áreas nas quais eu me sinto plenamente capacitado. Caso você seja uma pessoa que também possua esses dons, a IMU poderia usá-lo também!
  3. A IMU capacita melhor as pessoas para exercerem seus ministérios. A AD tem muitas pessoas credenciadas, algumas das quais inadequadamente treinadas mas que ainda são nomeadas, de forma que há ministros muito capazes que são frequentemente ignorados. Ouvi histórias demais sobre pastores competentes que permaneceram desempregados ou que foram empregados com salários tão baixos que não puderam permanecer no ministério e sustentar suas famílias. A IMU garante um salário mínimo de US$ 28.000,00 por ano (varia pouco de estado para estado) além de garantir a moradia de seus ministros. Eles também "garantem" a nomeação de um pastor a partir do momento em que ele é ordenado. Muitos pastores recebem salários consideravelmente maiores. Há uma troca: os pastores da IMU não escolhem onde trabalhar. Mas, pessoalmente, considero muito mais importante ser capaz de trabalhar em algum lugar do que ser o responsável por todas as decisões com respeito a onde trabalharei.
  4. A IMU apoia totalmente as mulheres no ministério. Este é um compromisso pessoal ao qual sou profundamente empenhado. A AD apoia oficialmente o ministério feminino, o que é melhor que muitas denominações evangélicas. (Um exemplo está no meu texto de "Como Tornei-me um Apoiador do Ministério Feminino.") Mas a política de liberdade da igreja local da AD combinado com o fato de que muitas não desejam ter uma mulher pastora, por razões culturais, significa que bem poucas mulheres chegam a ter a oportunidade de servirem como lideranças pastorais. Não é este o caso na IMU, onde as mulheres são preparadas intencionalmente para assumirem grandes responsabilidades na liderança pastoral. A IMU tem lutado para nomear mulheres nas igrejas grandes, por exemplo, mas muitas conferências estão trabalhando fortemente para corrigir esta desigualdade. A igreja precisa tanto das vozes dos homens quanto das mulheres na liderança pastoral, caso deseje corresponder ao grande chamado que Deus colocou sobre ela. O trabalho é importante demais para que se ignore os dons de liderança de "Metade da Igreja."
  5. A IMU apoia os ministros jovens. Isto tem tanto a ver com uma falta quanto com um um dom. A IMU tem falhado em cultivar um pastorado jovem na mesma proporção com a qual tem perdido seu pastorado mais idoso. Parece que a IMU tem diminuído mais rapidamente entre seu clero que em sua membresia total. Com tal necessidade de pastores jovens, esses líderes estão sendo intencionalmente cultivados com oportunidades de desenvolvimento de liderança e oportunidades ministeriais que irão prepará-los bem para o futuro ministério. Quero isto para mim. Quero isto também para os alunos que estou preparando para o ministério na Universidade de Indianapolis.
Sei que muitas dessas respostas podem soar bastante "mundanas" para alguns de meus amigos na AD. Não se preocupem. Também irei dar alguns dos motivos teológicos em minha próxima postagem. Mas recomendaria que não minimizassem esses motivos mais práticos. Caso você deseja se comprometer com o ministério, você precisa saber como isto afeta outras áreas de sua vida.
Sou grato pelo fato da Igreja Metodista Unida ter aceito minha intenção de transferir minhas ordens em uma reunião da Board of Ordained Ministry (Junta de Ministério Ordenado) ocorrida nesta semana. Em junho deste ano prosseguirei com esta intenção.
Tradução: Fabio Martelozzo ( fabiomartelozzo@gmail.com )
Parte 2: http://deusnoplural.blogspot.com.br/2016/05/por-que-estou-deixando-as-assembleias.html



quinta-feira, 3 de março de 2016

Cristãos e Muçulmanos Adoram ao Mesmo Deus? Implicações Missiológicas Ao Respondermos uma Pergunta Divisiva.

Cristãos e Muçulmanos Adoram ao Mesmo Deus?
Implicações Missiológicas Ao Respondermos uma Pergunta Divisiva.















David Greenlee

Quando Bob Priest interrompeu meu feriado de ano novo para me pedir para contribuir com sua discussão, minha memória levou-me à piada, contada pela primeira vez por Emo Phillips há 30 anosi, sobre dois caras que se encontraram em uma ponte. Não eram apenas cristãos, regozijaram-se, mas também compartilhavam suas origens na Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos. Porém, ao descobrirem que um deles era da Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos do Concílio de 1879 e o outro era da Convenção Batista Conservadora do Norte da Região dos Grandes Lagos do Concílio de 1912, o primeiro bradou "Morra, herege!" e empurrou o outro da ponte.

O humor se assemelha perigosamente à experiência. Nos últimos anos meu coração pesou com frequência enquanto via amigos "empurrados da ponte" por alguém que, por conta própria, considerava que "Concílio de 1912" seria a única resposta correta. Como um filho de missionário e filho de um professor de seminário, sei que empurrar os hereges da ponte não é nenhuma novidade no comportamento "cristão".

Cuidado: fazer missiologia pode ser perigoso. Não conheço a Larycia Hawkins, e conheço Wheaton de maneira muito superficial; seria presunçoso de minha parte tentar explicar ou apoiar qualquer um dos lados. Todavia, a primeira implicação missiológica que extraio é tenha cuidado; pode ser perigoso responder uma pergunta divisiva. E, o que quer que aconteça com os protagonistas, a divulgação via internet da situação ocorrida em Wheaton não beneficia nenhuma minoria cristã nas sociedades muçulmanas.

Questões mal formuladas e fontes de informação mal selecionadas levam a uma missiologia ruim "A Verdade" ouvida por um juri é filtrada através de questões perguntadas às testemunhas de maneira cuidadosamente construída. Pesquisas de satisfação do consumidor induzem-me a certas respostas (e se autorrespondem caso eu não esteja “completamente satisfeito" em cada ponto).

Viés de confirmação é a tendência que temos de procurar e interpretar as informações de maneira a confirmar nossas preconcepções. Ao invés de interagir com opiniões sólidas que sejam contrárias às nossas, criamos espantalhos; poucos de nós fortalecem os argumentos ao buscar com afinco provas de que podemos estar errados.

Um centro asiático respondendo a comentários feitos por membros de nosso grupo doméstico na Suíça, anos atrás, disse, "Claro que não troquei de deus quando passei a crer em Jesus Cristo. Por que alguém poderia pensar nisso?" A maioria - mas não todos - dos muçulmanos que eu conheço diriam mais ou menos o mesmo.

Um perigo que eu correria, portanto, seria o de colher provas nesta direção porque me sinto mais confortável ouvindo meus amigos e lendo artigos que compartilham essa opinião ao invés de ouvir, de mente aberta, àqueles que defendem outras posições. Mas, a reflexão missiológica se torna mal informada quando formulamos nossas perguntas de maneira a iluminar apenas parcialmente o objeto de estudo.

Língua e cultura afetam minhas perguntas e, portanto, minhas respostas; consigo ver por conta própria apenas parte do quadro. Um tradutor simultâneo de legendas para a televisão ficou confuso, disseram-me. O falante de língua inglesa afirmara, "Não cremos em Alá; cremos em Deus." Ao passar para o árabe, ela teria de escrever (traduzido de volta) "Não cremos em Deus; cremos em Deus." Meu exemplo um tanto quanto simplista serve para nos lembrar que nossas perguntas e nossa forma de pensar são moldados pela língua.

Richard Jameson descreve o impacto da cultura em questões sobre Deus, fé, vida e o mundo. Os árabes que ele conhece tendem a se concentrar em limites bem estabelecidos e nas diferenças; os indonésios concentram-se na harmonia. Muçulmanos das sociedades árabes convertidos a Jesus costumam perguntar algo como "Alá, como os muçulmanos conhecem, é o mesmo Deus que YHWH, conhecido pelos judeus e cristãos a partir de suas escrituras?" enquanto os crentes indonésios que ele menciona perguntam algo como "Há verdade o bastante em Alá, como os muçulmanos conhecem, para usar tal verdade como ponto de partida para levar os muçulmanos a um conhecimento completo do Deus da Bíblia?"ii

Amba as abordagens são válidas. Ambas são incompletas. Quer falemos a partir de uma estrutura teológica profundamente arraigada ou de uma visão de mundo culturalmente enraizada, preciso que outros me ajudem, não apenas a enxergar o quadro completo, mas até para que eu saiba para onde olhar.

Estou construindo pontes ou muros? É certo sempre responder a qualquer pergunta? Ter critério é (ainda) uma virtude, tanto mais em nossa era da internet. Questões válidas, mas perguntadas ou respondidas da forma errada e pelos motivos errados, podem ser usadas intencionalmente como critério para separar e dividir, cercas de arame farpado para nos manter sob controle e manter longe de nós aqueles que tememos. Assim como Tiago, podemos expressá-las de maneira a estarmos comprometidos com a verdade, como ele era, de forma a não "perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus" (At 15.19)? Ainda assim, pergunto-me, podemos chegar a responder a pergunta "cristãos e muçulmanos adoram ao mesmo Deus?" E quais muçulmanos? Quais cristãos? "Adoração" no sentido de ritual e tradição ou no sentido de viver como sacrifícios vivos? "O mesmo" em termos do fato ontológico de um Deus Todo Poderoso, Criador de todas as coisas ou "mesmo" em uma coerência suficiente nos detalhes da crença?

Se eu optar pela segunda abordagem sobre a semelhança, posso acabar pensando em qual seria o limite de erros que eu poderia ter na minha forma de crer para que eu ainda estivesse adorando a Deus, e não a um falso deus? Seria o mesmo ser tanto o pai amoroso que uma amiga diz saber que Deus é hoje, quanto o ogro furioso que ela imaginava que ele fosse quando era adolescente? Nós, evangelicais, adoramos ao mesmo Deus que os protestantes liberais, o "Jeová" das Testemunhas de Jeová ou o Jesus dos Pentecostais Unicistas?

Conhecer o que cremos é importante; mas Deus é definido por aquilo que ele é, não por aquilo no que creio sobre ele. Ao invés de nos concentrarmos na adoração ou na crença (por mais importante que sejam), uma pergunta mais frutífera para os missionários, se não para a missiologia, seria "Conhecemos o mesmo Deus?"

A paz importa? Diferentemente da situação vivida pela maioria dos cristãos na maioria dos lugares nos quais morei, até pouco tempo atrás nos EUA as questões referentes ao pluralismo eram muito mais um argumento teológico do que algo a ser aplicado no dia a dia. Questões há muito decididas em outros lugares tem, ultimamente, nos deixado perturbados.

Saber no que nós cremos, e no que creem os outros, é importante; fazer declarações unilaterais sobre o que os outros creem produzem poucos benefícios na construção da paz entre as comunidades. Ao considerarmos o medo crescente na sociedade americana, ao invés de falarmos sobre eles, poderíamos conversar com os muçulmanos e com outros com mais frequência, em uma espécie de conversa ao redor da mesa da cozinha (para adaptar um termo usado por Valdir Steuernagel em Iguaçu há quinze anos)? Se, pelo menos uma vez, deixando de lado velhos pontos de debate, encontrássemos uma forma de explorar com sensibilidade não apenas nossa crença em Deus, mas também aquilo que desejamos para nossos filhos, poderíamos contribuir para a construção da paz em um mundo cada vez mas amedrontado e fraturado.


David Greenlee (Ph. D. TEDS 1996) trabalha em Operation Mobilization (Mobilização Operação) desde 1977, e desde então passa mais tempo morando fora dos EUA. Editor de From the Straight Path to the Narrow Way (Do Caminho Reto ao Caminho Estreito - InterVarsity) e Longing for Community (Ansiando por Comunhão - William Carey) e autor de diversos artigos relacionados a muçulmanos achegando-se à fé em Jesus Cristo. As opiniões expressas são de responsabilidade do autor e não necessariamente expressam a opinião de OM.
i Emo Philips, “The Best Good Joke Ever—And It’s Mine!” (A Melhor Piada de Todos os Tempos - E É a Minha!) The Guardian(online), 28 de setembro de 2005. http://www.theguardian.com/stage/2005/sep/29/comedy.religion

ii Richard Jameson, “Respecting Context: A Comparison of Indonesia and the Middle East,” (Respeitando o Contexto: Uma Comparação entre a Indonésia e o Oriente Médio," IJFM29,4. http://www.ijfm.org/PDFs_IJFM/29_4_PDFs/IJFM_29_4-Jameson.pdf



Traduzido por Fabio Martelozzo Mendes ( fabiomartelozzo@gmail.com )